segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O capitão do mato

Vocês sabem o que significa capitão do mato?
Devem saber, mas por via das dúvidas explico - era uma expressão usada para referir-se aos jagunços que se dedicavam a recapturar escravos fugidos. Isso lá no século XIX. No Brasil colônia ou império.
A primeira vez que pensei sobre essa, digamos, atividade, foi por causa de uma novela da Globo. Não me lembro o nome, só me lembro que o capitão do mato era o Toni Tornado. Aquilo me incomodava muito: o cara era negro e fazia aquelas barbaridades com os outros negros. Ele era especialmente cruel. Tratava os escravos que ele recapturava como lixo, na base da porrada, da mesma forma que os senhores deles. Depois os levava de volta às fazendas de onde tinham fugido e cobrava pelo serviço.
Essa história me incomodou tanto que fui procurar mais informações sobre os capitães do mato e descobri que não raramente eram negros. O próprio Rugendas (Johann Moritz), o maior pintor/desenhista dos tempos do império no Brasil, retratava capitães do mato negros.
Descobri também que eles eram odiados e temidos pelos escravos, por razões óbvias e desprezados pelos senhores de engenho e fazendeiros em geral, além de toda a sociedade elegante da época, por sua origem e pela indignidade do seu ofício.
Agora veja só – o sujeito nasceu negro, na África ou aqui mesmo, foi escravo e, por alguma razão, deixou de ser (alforria, por exemplo). Ou então nem era escravo, não era negro, mas vinha das camadas mais baixas da sociedade.
E então ele deixava de se sentir pertencendo àquela casta, ou talvez nunca tenha pertencido, e se afastar dela era indispensável. Ele a detestava.
Mas jamais conseguia entrar nas camadas superiores. Não seria fazendeiro e dono de seus próprios negros. Não alcançaria ascensão social expressiva.
Por causa dessa situação ele tinha mil medos:
medo de que a escravidão acabasse e com ela a sua fonte de renda;
medo de que os escravos, em qualquer momento, se rebelassem e sua integridade física e seu patrimônio ficassem ameaçados;
medo de que muitos se convertessem no mesmo que ele e assim seu suposto status se diluísse;
medo de que os senhores parassem de pagar pelos seus serviços;
e um vasto etc. de medos.
Esses medos é que moviam suas relações sociais. Neles estavam baseadas todas as suas decisões pessoais e a sua sobrevivência. Enfim, a sua atuação na sociedade.
A dinâmica desses medos fazia com que ele partisse para o desprezo e a raiva daqueles que estivessem, na sua percepção, socialmente abaixo. Daí a sua maior luta. No lugar da solidariedade para com seus pares, lhes reservava o ódio, no lugar da tolerância a violência, no lugar da fraternidade a maldade.
Uma análise psicológica talvez revelasse uma aversão àquilo que ele mesmo representava, em contraposição àquilo que se quisesse ser.
Assim é como vejo a classe média – ou parte dela – no Brasil atual.
Façam vocês mesmos as comparações.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Glossário Eleitoral 2010 - De A a Z

Direto das Redações

Para melhor entendimento dos termos usados nas nossas matérias e das ideias associadas a eles faremos circular entre nossas equipes de jornalistas este glossário, elaborado pelo conjunto das redações das Organizações Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Editora Abril, Rede Bandeirantes e outros menos importantes.

Solicitamos que todos – mesmo – os jornalistas dessas casas leiam e decorem o glossário, a fim de que nossa função social sagrada de bem informar o público seja executada de modo padronizado. Consideramos indispensável tal padronização uma vez que nossa força advém da nossa união e da nossa união virá a verdade, que será repetida à exaustão, ainda que pareça mentira. Se a verdade continuar parecendo mentira estamos certos de que a razão para tal terá sido a displicência no domínio do glossário que segue.

Bom trabalho e mãos à obra. A oposiç, ou melhor, a opinião precisa de nós.

Ameaça à Liberdade de Expressão – é quando alguém que não é detentor do direito descrito no verbete ‘Liberdade de Expressão’ reclama de ter sido ofendido.

Blogs Sujos – parte do verbete ‘Internet’ formada por clandestinos subversivos usurpadores de direitos.

Corrupção – é quando nossos inimigos parecem estar fazendo algo que talvez não seja permitido.

Democracia – é o sistema político em que nossos amigos estão no poder.

Deputado Corrupto – deputado da turma do verbete ‘Presidente II’ que por mais que tente não vai ter espaço para provar que não é ele (ou ela) no vídeo que ninguém viu e no áudio que ninguém escutou.

Deputado Supostamente Envolvido com Irregularidades – deputado da turma do verbete ‘Presidente I’ que tem o direito de tentar explicar aquele dinheiro todo no vídeo que vazou.

Diplomacia – Tirar o sapato pra entrar nos EUA.

Ditadura – é o sistema político em que nossos inimigos estão no poder. É o oposto exato do verbete ‘Democracia’.

Eleições – são os momentos esporádicos em que nós fingimos abrir mão de parte do nosso poder de decisão sobre todas as coisas e tentamos conduzir o verbete ‘Povo’ ao rumo que é melhor pra ele.

Eleições Fraudadas – são os meios para atingir o verbete ‘Ditadura’. Ou seja, modo pelo qual nossos inimigos chegam ao poder. Verbete nunca aplicável para os EUA.

Fracasso Diplomático – agir como verbete ‘República de Bananas’.

Ficha Limpa – é aquela lei que se a gente soubesse que ia dar mais trabalho pra a turma do verbete ‘Presidente I’ do que pra a do verbete ‘Presidente II’ nós não teríamos aprovado.

Golpe – esse verbete varia de acordo com as circunstâncias, na nossa história recente o chamamos Revolução.

Homem de Bem – pessoa que tem dinheiro e com ele comprou alguns direitos, geralmente é o oposto do verbete ‘Povo’.

Impostos – coisa indefinida que não pagamos e achamos que não temos mesmo que pagar, embora reclamemos que são abusivos.

Internet – veículo abstrato que não conseguimos – ainda – dominar. Às vezes usada clandestinamente por um monte de gente à qual determinados direitos não foram devidamente adjudicados. Mais descrições no verbete ‘Blogs Sujos’.

Jornalista – é o profissional ao qual foi adjudicado por nós o direito de uso do verbete ‘Liberdade de Expressão’. É aquele que temporariamente pode exercer esse direito, ainda que em caráter temporário e revogável.

Liberdade de Expressão – é o nosso direito (outorgado por nós mesmos) de publicar o que bem entendermos sobre quem ou o quê quisermos, quando der na nossa telha.

Liberdade de Imprensa – é a formalização empresarial do verbete ‘Liberdade de Expressão’.

Mentira – esse verbete foi incluído aqui só a título de lembrança, mas todos que trabalham em nossas empresas já sabem. É aquilo que repetido um milhão de vezes...

Meritocracia – é a prova de que quem faz parte do verbete ‘Homem de Bem’ não está lá por acaso, nem por ter tido oportunidades, nem por já ter nascido lá, mas sim por possuir o verbete ‘Qualidade’.

Nepotismo – é quando alguém da turma do verbete ‘Presidente II’ tem parentes que não estão desempregados. Se qualquer parente de alguém dessa turma tiver emprego em alguma empresa pública, seja por concurso ou não, se aplica este verbete. Se o parente trabalhar em empresa privada o verbete também se aplica, já que a investigação para se chegar a um relacionamento dessa empresa com o governo é simples e não falha. Para essa investigação pode-se lançar mão do verbete ‘Sigilo da Fonte’. Caso este verbete seja usado contra alguém da turma do verbete ‘Presidente I’, alega-se capacidade técnica.

Oposição – verbete que interinamente nossas empresas ocupam.

Povo – termo vago muito útil em época de verbete ‘Eleições’, mas desnecessário em outras épocas. ATENÇÃO - Não tem nenhuma relação com o verbete ‘Democracia’.

Presidente – verbete subdividido em duas partes por força de tropeços históricos.
*Presidente I – professor e sociólogo brilhante, inventor de todas as coisas boas que há no Brasil e nos países vizinhos, respeitador dos verbetes ‘Democracia’, ‘Diplomacia’, ‘Liberdade de Expressão’, ‘Liberdade de Imprensa’ e ‘Jornalista’. Por alguma razão que ainda não conseguimos mudar é desprezado pelo verbete ‘Povo’.
*Presidente II – cara barbudo que não sabe nem ler, nem escrever, nem falar, que abusa dos verbetes ‘Ameaça à Liberdade de Expressão’, ‘Ditadura’, ‘República de Bananas’, ‘Equívoco Diplomático’, ‘Internet’ e ‘Blogs Sujos’. Por alguma razão que ainda não conseguimos mudar é amado pelo verbete ‘Povo’.

Qualidade – é o verbete simbólico para a expressão da hegemonia do verbete ‘Homem de Bem’. Ou seja, o verbete ‘Homem de Bem’ se impõe pela capacidade individual, situação oposta à do verbete ‘Povo’ que pretende aparecer baseado no verbete ‘Quantidade’. O verbete ‘Qualidade’ pode estar diretamente associado ao ‘Meritocracia’.

Quantidade – termo usado na falta do verbete ‘Qualidade’, associado sempre à imagem do verbete ‘Povo’.

República de Bananas – país latino-americano que ousa enfrentar os EUA.

Sigilo Fiscal ou Bancário – direito assumido pelo verbete ‘Homem de Bem’ e obviamente desnecessário para o verbete ‘Povo’. Até por que este último não tem nem que ter conta em banco.

Sigilo da Fonte – argumento permitido ao verbete ‘Jornalista’ quando faz denúncia contra o verbete ‘Deputado Corrupto’.

Terrorista – aquele que lutou contra o verbete ‘Golpe’, mais apropriadamente chamado revolução, e que não mudou de lado em trinta anos. Há vários exemplos de oposto do verbete ‘Terrorista’ nos verbetes ‘Jornalista’ e ‘Deputado Supostamente Envolvido com Irregularidades’.

UDN – por razões estratégicas fica proibido fazer qualquer menção a este verbete em nossas publicações durante este ano.

Voto – instrumento inútil que tenta fazer iguais dois verbetes tão diferentes quanto ‘Homem de Bem’ e ‘Povo’.

X – letra pouco útil já que é o símbolo do verbete ‘Voto’.

Zero – é a quantidade de acertos do verbete ‘Presidente II’ que independem da esplêndida herança recebida deste pelo verbete ‘Presidente I’.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Desta vez pra quem não concorda comigo

Eu tô acostumado a escrever pra quem pensa mais ou menos como eu, na verdade quase sempre escrevo pra mim mesmo, e ninguém concorda mais comigo do que...eu.
Poucas vezes alguém que não tem uma opinião parecida com a minha ou mesmo quem não tem uma opinião muito formada lê o que eu escrevo.
Mas hoje, movido por uma série de e-mails que recebi, resolvi escrever pra conversar, ou pra interagir, com quem é o meu oposto ideológico. Ou seja, vou escrever pra quem, em termos políticos, é adversário em potencial.
O começo do meu raciocínio, aliás, é exatamente a questão do adversário em termos políticos. São meus adversários em termos políticos várias pessoas que admiro, respeito e gosto. Muitos amigos, alguns parentes, conhecidos, etc. que merecem meu apreço e, às vezes, dividem comigo partes da minha vida, além, é claro, de inúmeras mesas de bar.
Por ter relação tão próxima com tantos adversários políticos é que resolvi desta vez escrever pra eles.
A principal razão é a proposta que quero fazer.
Com o calor da disputa eleitoral temos visto ânimos mais à flor da pele do que costuma ocorrer normalmente, no que tange à discussão política. Gente que no dia a dia é afável, de fácil trato, suave, tem ficado mais agressiva, mais dura. E não estou falando só quanto ao relacionamento pessoal, mas principalmente quanto à forma acalorada com que se reverbera (ou se cria) adjetivos e ataques para uso na campanha pela internet.
A primeira proposta é pra aqueles que dizem se eximir de participação direta em questões políticas:
Vamos todos assumir que estamos em campanha!
Quando vocês mandam um e-mail que pretende convencer alguém a votar de determinada maneira estão fazendo campanha política.
Quando vocês comentam numa fila que fulano de tal é $#@$%#&*¨!, se não estiverem se referindo ao síndico chato do prédio, mas a algum partícipe do jogo político, vocês estão fazendo campanha.
Quando vocês permitem que a moça de amarelo no sinal cole um adesivo com um número de candidato nos seus carros, vocês estão fazendo campanha.
Uma vez que assumimos que estamos em campanha agora façamos outros tratos.
O segundo será: vamos nos respeitar e não desqualificar uns aos outros.
Meus queridos (sem nenhuma ironia) adversários políticos “quase sempre” recebem de mim o respeito a que fazem jus. Digo “quase sempre” tentando achar que o faço sempre, mas considerando que posso falhar, como qualquer um, às vezes.
Pois bem, da mesma forma quero merecer o respeito de meus interlocutores.
Não mandemos coisas que subestimam a inteligência de quem vai ler.
Não espalhemos mentiras escritas pra quem não tem senso crítico acreditar. É muito chato ler algo que está endereçado a um imbecil. Porque dá a sensação de que quem te mandou te acha isso.
Não mandemos textos supostamente escritos por pessoas famosas (Luís Fernando Veríssimo, Affonso Romano de Santana, etc.) que não resistem a uma simples consulta no Google ou, pior ainda, que não resistem ao nosso mero conhecimento sobre o estilo de tais autores.
Não divulguemos textos de próceres da história da humanidade, a maioria deles já mortos, como se eles fossem cabos eleitorais de nossos preferidos. Chega a ser absurdo receber textos ou frases do Gandhi ou do Martin Luther King como se eles fossem filiados ao PSDB e estivessem em plena campanha pela eleição de José Serra. Por favor, vamos poupar grandes personagens históricos de se revirar nos túmulos!
Quando eu recebo um e-mail que diz: nós estamos perdidos com essa bruxa... o que penso é que mandaram pro e-mail errado. Eu já tenho 40 anos. Eu acho que esse e-mail deveria ser enviado à minha filha de 5 anos, que, talvez, por medo de bruxas, votasse no adversário.
Certamente há muitas razões pra não se votar em Dilma Roussef, em Serra ou na Marina, além de todos os outros, meu querido amigo Ivan Pinheiro inclusive. Mas não façamos uma discussão baixa, sem nenhum sentido propositivo e sem esperanças de, na interseção, encontrarmos caminhos comuns que conduzam a vida do nosso país e, por conseguinte, a nossa vida, a bom rumo.
Vamos exaltar as qualidades positivas do debate democrático e respeitoso. Vamos usar nosso poder de convencimento pra mostrar que nosso candidato(a) e nossas idéias são melhores e não menos piores ou menos ladrões.
Eu voto e faço campanha pela Dilma. E não é por causa das coisas que sei sobre o Serra. E olha que sei muitas e muito cabeludas, afinal, já trabalhei como tradutor pra agências de publicidade de Belo Horizonte e de São Paulo que atendiam o governo federal e os governos estaduais do PSDB, e já trabalhei como tradutor até para a polícia federal.
No entanto decido meu voto pelas questões ideológicas e pelas questões práticas que me conduzem a essa opinião.
Não me interessa se a Marina tem patrimônio maior do que o apresentado às instâncias eleitorais, me preocupa muito mais como vai ficar o patrimônio do trabalhador simples no futuro.
Não quero saber se o Serra tem sócios suspeitos de crimes graves, quero saber como vão ficar os sócios da Petrobrás, ou seja, todos nós brasileiros.
Não quero saber se alguém, supostamente do PT, violou o sigilo fiscal de gente do PSDB, quero saber quem vai ser o fiscal das obras que têm que ser feitas no país.
Portanto, vamos tentar convencer uns aos outros de que nossos candidatos são melhores. Mandem-me e eu lerei com prazer, atenção e respeito as propostas de Serra e Marina, e quem sabe mudarei de idéia se identificar saídas melhores para nossos problemas. Digam-me o que eles pensam sobre educação, sobre o fim do vestibular, sobre as cotas, sobre o aborto e sobre a saúde de forma geral, sobre relações internacionais, sobre direitos humanos e a lei da anistia. Ah, e digam também como eles pretendem colocar suas idéias em prática.
As idéias da minha candidata acerca desses assuntos eu já sei. As dos outros, não. Não fizeram uma campanha capaz de me informar minimamente. E quem manda e-mails dizendo absurdos sobre a minha candidata não ajudou em nada. A própria imprensa se ocupou de cuidar da massiva tentativa de desqualificação dela e também não colaborou pra que eu e milhões de outros conhecêssemos melhor as alternativas que existem.
E é preciso que fique claro pra quem está do lado da oposição que o fato do cara ter uma filha que pode ter sido bisbilhotada por um inimigo político não dá a ele cacife pra ser presidente da república. É preciso ter alguns méritos, que certamente ele tem, mas não se preocuparam em me mostrar. Só se preocuparam em me convencer a não votar do jeito que quero.
Com isso dão abertura à discussão que foi gerada na sequência, de que a bisbilhotada é, na verdade, grande bisbilhoteira e aí fica um sem fim de acusações - sem provas, aliás.
Quem tem interesse nisso não são vocês nem sou eu. Quem ganha com isso são aqueles que querem que paremos de discutir política e nos afastemos “dessa sujeirada toda”. Quanto menos a gente aqui discutir política mais alguém lá terá massas de manobra e poder para usá-las.
Faço essas propostas porque acho que o momento presente é importante demais pra que não discutamos política agora.
Porém o mais importante é o que virá no futuro. E com certeza depois de 3 de outubro assim como depois de todas as datas de eleições vindouras precisamos conviver todos no mesmo país, na mesma cidade, nas mesmas empresas, escolas e casas. E precisamos construir juntos o nosso futuro. Sem que queiramos nos evitar nas próximas oportunidades e sem que divergências de opinião nos transformem em inimigos irreconciliáveis.
Vamos, então, ao embate! Porém, com sabedoria, sensibilidade e respeito.

sábado, 28 de agosto de 2010

O Brasil não merece uma campanha assim

Tô escrevendo, meio a contragosto, meio a pedidos, meio achando que não vale a pena.
Vou responder àquele tipo de provocação anticomunista, muito normal em qualquer época, mas que se exacerba perto de eleições. Ou plebiscitos. Quem não se lembra da verdadeira revoada de conteúdo ultra-direitista que assolou a internet à época do plebiscito do desarmamento? Foi um movimento tão forte que conseguiu o que queria...
Hoje, acho que não. Não vão conseguir.
Mas mesmo assim é um movimento forte. E mais à direita do que aquele. Mais conservador. Mais desesperado e por isso mesmo mais feio. Já viu a feição de alguém desesperado? É bem feia.
Uma das peças (ou pérolas?) que circulam por aí tem um conteúdo absolutamente cruel.
Não propõe nada, não discute nada, não apresenta nenhuma reflexão. Só ameaça. Usa, mais uma vez, o medo. Neste caso específico o medo dos comedores de criancinhas. Isso mesmo: o medo da nossa ideologia, o medo da nossa ruindade. Nós, os comunistas, com todo o mal que somos capazes de representar. Com toda a perversidade que gente como nós espalha.
A ameaça é clara: Dilma é comunista! Se ela ganhar escondam suas criancinhas! Vamos evitar esse horror!
Em determinado momento achei até que ia aparecer uma imagem da Dilma arrancando a unha de um pobre militar com um alicate.
A base do raciocínio era a seguinte: Hugo Chávez apoia a Dilma. Logo, a Dilma é um perigo. O Chávez vota na Dilma (ele, na verdade, vota no Brasil com título de eleitor falsificado no Paraguai, outro paísinho horroroso, vizinho do outro paíseco que tem um índio plantador de cocaína, etc., etc., etc.) e por isso ela representa o maior perigo da face da terra.
No vídeo que está circulando pela internet e que pode ser facilmente encontrado no youtube, tudo começa com uma multidão de vermelho assistindo a falação de alguém. Ouve-se a voz do Chávez e a imagem corta para o próprio. Aí aparece o primeiro problema: é claro, muito claro, que ele não está no mesmo lugar que todas aquelas pessoas. Não sei pra quê essa enganação. Continua com o discurso do malvado presidente da Venezuela e a imagem cortando para aquela platéia (que não está no mesmo lugar) e voltando para o Chávez, alternadamente. O que ele diz está, outra vez muito claramente, editado. Aí aparece o segundo grande problema: a edição faz crer que ele se refere à Dilma quando fala do sequestro do Charles Elbrick, aquele embaixador dos EUA que foi sequestrado em 1969.
Essa é a parte que ofende. Não por mostrar uma opção ideológica 180 graus diferente da minha. Mas por considerar que somos todos idiotas.
Quem produziu a peça e, obviamente, quem a difunde, não só finge não saber que a Dilma nunca fez parte do grupo que sequestrou Elbrick, como toma por certo que os demais – eu , você, todos nós – também não sabemos nada de história em geral e dessa história em particular.
Segundo eles nós não temos conhecimento suficiente para saber que a Dilma fez parte de uma organização (durante a ditadura havia centenas delas) de esquerda, armada, chamada Var Palmares e não do MR8, que foi a organização que sequestrou o cara.
Na visão deles nós não temos como saber que havia gente que hoje está no governo (Franklin Martins) e gente que hoje está na oposição (Fernando Gabeira) na organização daquela ação.
Em outras ocasiões tentam dizer que a Dilma não pode entrar nos EUA e, portanto, não pode ser presidente do Brasil – atenção: do BRASIL – por ter participação naquilo.
O que de fato é verdade em relação aos realmente envolvidos, mas a Dilma... ai, ai, ai, a Dilma tava em Nova York no dia 22 de maio deste ano. Aliás, como a própria Folha (órgão de imprensa ou de humor, mas que a direita lê e sustenta) pode comprovar: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u738971.shtml
Para o pessoal que acredita em campanha eleitoral nesse nível somos uns imbecis que precisam ser salvos da ameaça comunista. Precisamos ser salvos da Dima, precisamos ser salvos dos sequestradores, precisamos ser salvos do Chávez, precisamos ser salvos do nosso próprio voto.
Há várias outras barbaridades no filminho baixo nível.
Tentam misturar a Dilma com o PC do B. Como se fosse ilegítimo ter ligações com esse partido. Como se apesar da democracia essas idéias e seus seguidores tivessem que ser banidos.
Outra vez consideram que não sabemos das coisas.
Não sabemos que ela nunca pertenceu ao PC do B. Que antes de ser do PT ela foi do PDT. E antes disso ela não podia ser de nenhum desses partidos porque era proibido. E antes porque ela tava presa. Tava no pau de arara. Tava lá lutando pra que 35 anos depois as pessoas pudessem votar nela ou em quem quisessem. Tava lá apanhando pra que as pessoas pudessem se expressar com liberdade. Pra que pudessem, inclusive, colocar na internet um filminho ridículo como aquele.
Mas a maior barbaridade – mesmo – do filminho é a música tema: Cálice.
Isso mesmo: Cálice. Do Chico Buarque e do Gilberto Gil!
A mesma música que foi proibida na época em que a Dilma tava no pau de arara.
Música do Chico Buarque, que já declarou voto na Dilma, como a Folha, de novo, já publicou:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u728086.shtml
Música do Gilberto Gil, que foi colega da Dilma no ministério do Lula. Gil, que pediu licença pra votar na Marina, por questão de fidelidade partidária.
Usar essa música é o cúmulo da cara de pau! Será que não há neste país nenhum músico de direita que possa emprestar pra eles uma música? Pede pro KLB, eles certamente emprestarão alguma das suas composições, afinal de contas eles são do PFL. Tá aí, no youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=3m2314RwB6s&feature=related
A única coisa com a qual eu concordo é com o título do e-mail que vem com o filminho.
Diz: O CÁLICE É DE ARREPIAR.
Ver uma música libertária como essa usada em um material fascista é realmente de dar arrepios.

Assim nasce uma vermelha

Foi assim: cheguei à casa da Patrícia, uma amiga, pra inaugurar o ap novo, ap bacana, sem muito luxo, mas muito legal, novíssimo, recém construído. Pequeno mas muito bem localizado, coisa fina, em Santa Teresa. Cheguei e minha filha já tava lá. Cecília, cinco anos. Tinha ido antes, com uma amiga, tava me esperando lá.
Beijei-a (eu queria escrever beijei ela, mas o corretor ortográfico não deixa) muito e me sentei na varanda pra tomar alguma coisa enquanto as crianças brincavam lá dentro.
Aí ela sentou no meu colo e depois da sessão de carinho tradicional me mostrou a vista da varanda e perguntou: “pai, cê tá vendo uma coisa triste?”
Eu, calejado e estupidificado pela vida disse: “não, amor, qual?”
“Lá, pai, o moço dormindo na rua.”
Ele tava quase em primeiro plano. A Pat mora no segundo andar, e o cara tava ali, deitado na calçada, umas 10 da noite, frio pra danar, bem na minha cara.
Desconcertado, respondi: “tô vendo, filha, triste mesmo, né?” – já esperando que o assunto se encerrasse.
“Então, pai, a gente não vai fazer nada?”
“Mas o quê, amor?”
“Uai, pai, chamar ele pra dormir aqui. Tia Pat, ele não pode dormir aqui?”
A Pat, sem graça (ela é vermelha também, só que não sabe): “Mas Ceci, eu nem conheço ele...”
“Uai, tia Pat, a gente vai lá, eu pergunto o nome dele, ele fala, eu apresento ele pra você e aí você conhece ele e ele dorme aqui na sua casa.”