segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Elite?


Eu tô meio indignado com algumas coisas que vêm ocorrendo no Brasil. Mas não pensem que eu vou reclamar – igual a um monte de inocentes úteis – da corrupção na política. Esse é o menor dos nossos males e deriva da corrupção intrínseca da nossa elite. Não sei qual é o maior dos nossos males, mas provavelmente a qualidade dessa elite é um deles.
É disso que quero falar.
O caso da repulsa aos programas sociais do governo já virou crônico, quase anedotário. O mesmo com qualquer tipo de ação afirmativa. Tudo que tenda à democratização do acesso é imediatamente bombardeado com argumentos ridículos. Já escutei até de uma moça loira o seguinte: “não devo historicamente nada para os negros, eu nunca tive escravos”. E por aí vai.
Essa história dos médicos, além de umas outras aí, tem me irritado muito.
Como é que pode uma pessoa que teve de tudo na vida, que nunca passou por nenhuma necessidade, que foi bancada até quase os trinta anos de idade pelos pais, ser tão vil? De onde vem esse desprezo tão desumano por outras pessoas, pelo povo?
Seria normal ver maldade em alguém cuja vida tivesse deixado cicatrizes incuráveis, uma vida cheia de humilhações, pobreza, violência, etc. Mas de quem sempre teve do bom e do melhor é absurdo, né? Pois é, não. É o mais normal, infelizmente. Entre o filhinho de papai e o filho do trabalhador é mais fácil encontrar generosidade, solidariedade, responsabilidade, docilidade, senso de coletividade e respeito à coisa pública no segundo do que no primeiro. Por isso é que falo do problema da qualidade da nossa elite.
Pra começar, o fato é que se trata de uma elite social e não intelectual ou cultural. Os mesmos que chamam de ignorantes a grande massa de trabalhadores do país não tem nível cultural que os faça diferentes. A enorme maioria das pessoas que, olhando do alto das suas posses, desdenha da educação formal – ou da falta dela – do povo não lê nem sequer um livro por ano, não vai ao teatro, não frequenta museus, não conhece arte, nem história, nem geografia, nem idiomas. E só se informa na rede globo e na veja. Além disso, não tem capacidade crítica pra compreender nem sequer a divisão de poderes, mais ou menos à la Montesquieu, que se adotou no Brasil e em boa parte do mundo.
Não quero aqui discutir questões classistas. É claro que a luta de classes está presente em tudo e, mais ainda, no que está ocorrendo em toda a América Latina. Mas o que eu quero frisar é a baixíssima qualidade das nossas elites. São tão fracos intelectualmente, politicamente, culturalmente, que nem com todos os instrumentos que têm, e sempre tiveram, conseguem administrar a fatia do poder que gostariam. Com todo o aparato da informação que acumularam ainda não conseguem ser convincentes. E mais, usaram tão mal alguns instrumentos - como os meios de comunicação - que lhes tiraram boa parte da credibilidade: qualquer um com três neurônios procura verificar a informação que lhe chega via mídia corporativa. Os médicos agora estão tentando estragar a reputação das associações que os representam. E estão conseguindo. Já é comum escutar nas mesas de bar que os crm ou o cfm só se preocupam com questões corporativas e estão cantando e andando para o povo. A oab, em alguns estados, trilha caminho semelhante.
Agora apareceu outra prova da falta de categoria dessa nossa elitezinha.
Vai um sujeito, chefe de um dos poderes da república (já falei da dificuldade que é explicar isso), receber, junto a outra chefe de outro poder da república, um terceiro chefe – nesse caso de um estado e de uma religião. Aquele primeiro resolve negar o cumprimento à segunda. O quê que a elite engomada, coxinha, insensível e inculta acha do caso? Lindo! Bem feito! Foi é pouco!
Modos, cortesia, gentileza, cordialidade, que seriam de se esperar de quem sempre esteve socialmente por cima, não existem. A altivez com que eles querem ser retratados desaparece imediatamente diante da oportunidade de fustigar quem não lhes cai bem.
Ah, faça-me o favor! Grosseria pior do que essa nem os trabalhadores braçais mais humildes que a elite despreza cometem no seu dia a dia.
Se você é desses da elite e tá a fim de exercer seu direito de ser canalha, de espernear porque um governo quer dar comida com um mínimo de educação pra a população que precisa, saúde para os habitantes dos rincões mais longínquos, dignidade para aqueles que você despreza – ou ignora -, eu recomendo que você comece a se aprimorar na arte da aristocracia. Melhore seus modos, nas redes sociais e no trânsito. Aprimore sua etiqueta no trato pessoal. Adquira alguma cultura. Pode começar pelo Pequeno Príncipe mesmo.