quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sobre eufemismos e cara de pau

Nem todo eufemismo é escroto. O eufemismo ruim é aquele hipócrita, o que esconde más intenções, ou nem esconde, só alivia a consciência do abusador.
Na primeira categoria – a dos toleráveis – estão aqueles eufemismos dados a evitar um dano maior. Exemplo: tá vendo aquela moça cheinha no fim da fila? Ou: sabe o João? um meio calvo.
A moça no fim da fila tá cansada de saber que é gorda e o João sabe que tá completamente careca, mas aumentar o sofrimento deles só pra ser franco não é necessário.
Esses são eufemismos que, se não são benéficos, pelo menos não trazem prejuízos ou preconceitos.
Mas o batalhão de mentiras tremendamente caras de pau que foram inventadas nos últimos anos como conseqüência (ou parte) da lógica neoliberal-mercadocentrista-corporativa é revoltante.
Refiro-me a todas aquelas baboseiras que o José Simão, um dos únicos colunistas da Folha que vale a pena ler, chama de tucanês. Não por acaso, claro. Os tucanos foram os responsáveis mais incisivos pela introdução dessa lógica ridícula mencionada ali em cima.
Os caras fazem treinamentos nos quais chamam os empregados das empresas de colaboradores. Como se empregado fosse pejorativo. Como se estivessem com a consciência doendo por explorar trabalho alheio. Como se pudessem eliminar a dicotomia capital-trabalho. Afinal de contas eles colaboram, não são explorados.
Chamam os custos de um serviço ou os preços de produtos de investimento. Quanto custa esta impressora? O investimento é de 900 reais. Ah, para com isso! Impressora é investimento pra dono de copiadora. E até investimento tem preço. Eles fingem que acham que qualquer gasto de dinheiro seu é um investimento.
As recepcionistas viraram agentes de atendimento. Eu acho que a palavra agente serve para melhorar o status da função, mas pergunta se alguém quer melhorar o status delas pagando melhor. Nem pensar.
Há também o eufemismo que revela, embora o tonto que o usa ache que está disfarçando, o preconceito racial: aquele moreninho ali. O cara é negro, é preto. Deve estar orgulhoso disso, não é uma condição que o incomode, portanto é assim mesmo que tem que ser chamado.
Ar condicionado, por exemplo, virou climatização do ambiente. Os estabelecimentos comerciais dizem que você está sendo filmado para sua segurança, que seu cheque será rigorosamente consultado também para sua segurança. E o banco então! Aquela porta giratória infernal e setenta senhas alfanuméricas são fundamentais para sua proteção. Planos de capitalização vendidos aos milhões pelo “banco do planeta”, mas, obviamente, a capitalização não é do cliente nem do planeta, é só do banco.
Mas a minha idéia não era dar exemplos de eufemismos idiotas, e como os há. Era discutir o quanto eles são cretinos.
A razão da existência deles é que incomoda.
Eles existem pelo fato de que é preciso dourar a pílula o tempo todo. E se é preciso tentar amenizar com palavrório a situação do trabalhador, do consumidor, do povo de forma geral, é porque o nível de exploração e de abuso está extrapolando todos os limites.
Eu não me sentiria incomodado se eu lesse no supermercado: para resguardar a saúde financeira da nossa empresa todos os cheques serão consultados.
Mas quando dizem que fazem isso pensando na minha segurança... aí eu fico cabreiro.
Ninguém que recebe um salário decente e tem condições de trabalho igualmente decentes, considerando o sistema vigente, ficará ofendido sendo chamado de empregado ou funcionário.
Mas pagar uma miséria, eliminar direitos trabalhistas, piorar as condições laborais e depois adular promovendo o sujeito a colaborador, isso sim é ofensivo.
Daqui a pouco os governos entram nessa também e vai ser criada uma nova categoria – os colaboradores públicos.
E tem também a cara de pau do mundo corporativo que nem precisa de eufemismos, é só cara de pau mesmo.
Fui procurado recentemente por um cara, dono de uma rede de escolas de idiomas, que queria minha ajuda para seu projeto de desbancar o sindicato patronal (?) das escolas de línguas de MG com a justificativa de que a direção da tal instituição vinha sendo muito leniente com o sindicato dos professores.
Algo como se os professores de idiomas do estado de Minas ganhassem verdadeiras fortunas e andassem todos em carrões importados como o que ele parou na minha garagem. O cara me mostrou convenções coletivas de outros estados, onde, segundo ele, os salários dos professores estavam mais condizentes com a realidade do mercado (mercado, sempre Ele) e nos quais os sindicatos patronais eram mais durões.
Havia em alguns exemplos remunerações inferiores a dois reais a hora-aula.
Pensa bem. Se ganhasse cinco reais por hora aula o coitado do professor teria que dar oito horas por dia de aula e trabalhar feito um maluco durante toda a semana para ganhar menos de oitocentas pratas. Já é o cúmulo do absurdo, mas sonhar em pagar menos ainda é canalhice.
Aí você pensa: tudo bem, e daí? O cara tá no papel de filho da p... dele, mas o que isso tem a ver com nosso tema?
É que quando eu estava prestes a conseguir me livrar do cara ele me entregou seu cartão. Tinha o nome dele e o cargo (presidente, dono, sei lá) em inglês e debaixo disso tava escrito:
WE BELIEVE IN TEAMWORK.


(?) - é porque patronal devia ser associação ou união ou clube ou federação ou confederação ou seja lá o que for, mas sindicato é de trabalhador.