segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O capitão do mato

Vocês sabem o que significa capitão do mato?
Devem saber, mas por via das dúvidas explico - era uma expressão usada para referir-se aos jagunços que se dedicavam a recapturar escravos fugidos. Isso lá no século XIX. No Brasil colônia ou império.
A primeira vez que pensei sobre essa, digamos, atividade, foi por causa de uma novela da Globo. Não me lembro o nome, só me lembro que o capitão do mato era o Toni Tornado. Aquilo me incomodava muito: o cara era negro e fazia aquelas barbaridades com os outros negros. Ele era especialmente cruel. Tratava os escravos que ele recapturava como lixo, na base da porrada, da mesma forma que os senhores deles. Depois os levava de volta às fazendas de onde tinham fugido e cobrava pelo serviço.
Essa história me incomodou tanto que fui procurar mais informações sobre os capitães do mato e descobri que não raramente eram negros. O próprio Rugendas (Johann Moritz), o maior pintor/desenhista dos tempos do império no Brasil, retratava capitães do mato negros.
Descobri também que eles eram odiados e temidos pelos escravos, por razões óbvias e desprezados pelos senhores de engenho e fazendeiros em geral, além de toda a sociedade elegante da época, por sua origem e pela indignidade do seu ofício.
Agora veja só – o sujeito nasceu negro, na África ou aqui mesmo, foi escravo e, por alguma razão, deixou de ser (alforria, por exemplo). Ou então nem era escravo, não era negro, mas vinha das camadas mais baixas da sociedade.
E então ele deixava de se sentir pertencendo àquela casta, ou talvez nunca tenha pertencido, e se afastar dela era indispensável. Ele a detestava.
Mas jamais conseguia entrar nas camadas superiores. Não seria fazendeiro e dono de seus próprios negros. Não alcançaria ascensão social expressiva.
Por causa dessa situação ele tinha mil medos:
medo de que a escravidão acabasse e com ela a sua fonte de renda;
medo de que os escravos, em qualquer momento, se rebelassem e sua integridade física e seu patrimônio ficassem ameaçados;
medo de que muitos se convertessem no mesmo que ele e assim seu suposto status se diluísse;
medo de que os senhores parassem de pagar pelos seus serviços;
e um vasto etc. de medos.
Esses medos é que moviam suas relações sociais. Neles estavam baseadas todas as suas decisões pessoais e a sua sobrevivência. Enfim, a sua atuação na sociedade.
A dinâmica desses medos fazia com que ele partisse para o desprezo e a raiva daqueles que estivessem, na sua percepção, socialmente abaixo. Daí a sua maior luta. No lugar da solidariedade para com seus pares, lhes reservava o ódio, no lugar da tolerância a violência, no lugar da fraternidade a maldade.
Uma análise psicológica talvez revelasse uma aversão àquilo que ele mesmo representava, em contraposição àquilo que se quisesse ser.
Assim é como vejo a classe média – ou parte dela – no Brasil atual.
Façam vocês mesmos as comparações.