sábado, 28 de agosto de 2010

O Brasil não merece uma campanha assim

Tô escrevendo, meio a contragosto, meio a pedidos, meio achando que não vale a pena.
Vou responder àquele tipo de provocação anticomunista, muito normal em qualquer época, mas que se exacerba perto de eleições. Ou plebiscitos. Quem não se lembra da verdadeira revoada de conteúdo ultra-direitista que assolou a internet à época do plebiscito do desarmamento? Foi um movimento tão forte que conseguiu o que queria...
Hoje, acho que não. Não vão conseguir.
Mas mesmo assim é um movimento forte. E mais à direita do que aquele. Mais conservador. Mais desesperado e por isso mesmo mais feio. Já viu a feição de alguém desesperado? É bem feia.
Uma das peças (ou pérolas?) que circulam por aí tem um conteúdo absolutamente cruel.
Não propõe nada, não discute nada, não apresenta nenhuma reflexão. Só ameaça. Usa, mais uma vez, o medo. Neste caso específico o medo dos comedores de criancinhas. Isso mesmo: o medo da nossa ideologia, o medo da nossa ruindade. Nós, os comunistas, com todo o mal que somos capazes de representar. Com toda a perversidade que gente como nós espalha.
A ameaça é clara: Dilma é comunista! Se ela ganhar escondam suas criancinhas! Vamos evitar esse horror!
Em determinado momento achei até que ia aparecer uma imagem da Dilma arrancando a unha de um pobre militar com um alicate.
A base do raciocínio era a seguinte: Hugo Chávez apoia a Dilma. Logo, a Dilma é um perigo. O Chávez vota na Dilma (ele, na verdade, vota no Brasil com título de eleitor falsificado no Paraguai, outro paísinho horroroso, vizinho do outro paíseco que tem um índio plantador de cocaína, etc., etc., etc.) e por isso ela representa o maior perigo da face da terra.
No vídeo que está circulando pela internet e que pode ser facilmente encontrado no youtube, tudo começa com uma multidão de vermelho assistindo a falação de alguém. Ouve-se a voz do Chávez e a imagem corta para o próprio. Aí aparece o primeiro problema: é claro, muito claro, que ele não está no mesmo lugar que todas aquelas pessoas. Não sei pra quê essa enganação. Continua com o discurso do malvado presidente da Venezuela e a imagem cortando para aquela platéia (que não está no mesmo lugar) e voltando para o Chávez, alternadamente. O que ele diz está, outra vez muito claramente, editado. Aí aparece o segundo grande problema: a edição faz crer que ele se refere à Dilma quando fala do sequestro do Charles Elbrick, aquele embaixador dos EUA que foi sequestrado em 1969.
Essa é a parte que ofende. Não por mostrar uma opção ideológica 180 graus diferente da minha. Mas por considerar que somos todos idiotas.
Quem produziu a peça e, obviamente, quem a difunde, não só finge não saber que a Dilma nunca fez parte do grupo que sequestrou Elbrick, como toma por certo que os demais – eu , você, todos nós – também não sabemos nada de história em geral e dessa história em particular.
Segundo eles nós não temos conhecimento suficiente para saber que a Dilma fez parte de uma organização (durante a ditadura havia centenas delas) de esquerda, armada, chamada Var Palmares e não do MR8, que foi a organização que sequestrou o cara.
Na visão deles nós não temos como saber que havia gente que hoje está no governo (Franklin Martins) e gente que hoje está na oposição (Fernando Gabeira) na organização daquela ação.
Em outras ocasiões tentam dizer que a Dilma não pode entrar nos EUA e, portanto, não pode ser presidente do Brasil – atenção: do BRASIL – por ter participação naquilo.
O que de fato é verdade em relação aos realmente envolvidos, mas a Dilma... ai, ai, ai, a Dilma tava em Nova York no dia 22 de maio deste ano. Aliás, como a própria Folha (órgão de imprensa ou de humor, mas que a direita lê e sustenta) pode comprovar: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u738971.shtml
Para o pessoal que acredita em campanha eleitoral nesse nível somos uns imbecis que precisam ser salvos da ameaça comunista. Precisamos ser salvos da Dima, precisamos ser salvos dos sequestradores, precisamos ser salvos do Chávez, precisamos ser salvos do nosso próprio voto.
Há várias outras barbaridades no filminho baixo nível.
Tentam misturar a Dilma com o PC do B. Como se fosse ilegítimo ter ligações com esse partido. Como se apesar da democracia essas idéias e seus seguidores tivessem que ser banidos.
Outra vez consideram que não sabemos das coisas.
Não sabemos que ela nunca pertenceu ao PC do B. Que antes de ser do PT ela foi do PDT. E antes disso ela não podia ser de nenhum desses partidos porque era proibido. E antes porque ela tava presa. Tava no pau de arara. Tava lá lutando pra que 35 anos depois as pessoas pudessem votar nela ou em quem quisessem. Tava lá apanhando pra que as pessoas pudessem se expressar com liberdade. Pra que pudessem, inclusive, colocar na internet um filminho ridículo como aquele.
Mas a maior barbaridade – mesmo – do filminho é a música tema: Cálice.
Isso mesmo: Cálice. Do Chico Buarque e do Gilberto Gil!
A mesma música que foi proibida na época em que a Dilma tava no pau de arara.
Música do Chico Buarque, que já declarou voto na Dilma, como a Folha, de novo, já publicou:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u728086.shtml
Música do Gilberto Gil, que foi colega da Dilma no ministério do Lula. Gil, que pediu licença pra votar na Marina, por questão de fidelidade partidária.
Usar essa música é o cúmulo da cara de pau! Será que não há neste país nenhum músico de direita que possa emprestar pra eles uma música? Pede pro KLB, eles certamente emprestarão alguma das suas composições, afinal de contas eles são do PFL. Tá aí, no youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=3m2314RwB6s&feature=related
A única coisa com a qual eu concordo é com o título do e-mail que vem com o filminho.
Diz: O CÁLICE É DE ARREPIAR.
Ver uma música libertária como essa usada em um material fascista é realmente de dar arrepios.

Assim nasce uma vermelha

Foi assim: cheguei à casa da Patrícia, uma amiga, pra inaugurar o ap novo, ap bacana, sem muito luxo, mas muito legal, novíssimo, recém construído. Pequeno mas muito bem localizado, coisa fina, em Santa Teresa. Cheguei e minha filha já tava lá. Cecília, cinco anos. Tinha ido antes, com uma amiga, tava me esperando lá.
Beijei-a (eu queria escrever beijei ela, mas o corretor ortográfico não deixa) muito e me sentei na varanda pra tomar alguma coisa enquanto as crianças brincavam lá dentro.
Aí ela sentou no meu colo e depois da sessão de carinho tradicional me mostrou a vista da varanda e perguntou: “pai, cê tá vendo uma coisa triste?”
Eu, calejado e estupidificado pela vida disse: “não, amor, qual?”
“Lá, pai, o moço dormindo na rua.”
Ele tava quase em primeiro plano. A Pat mora no segundo andar, e o cara tava ali, deitado na calçada, umas 10 da noite, frio pra danar, bem na minha cara.
Desconcertado, respondi: “tô vendo, filha, triste mesmo, né?” – já esperando que o assunto se encerrasse.
“Então, pai, a gente não vai fazer nada?”
“Mas o quê, amor?”
“Uai, pai, chamar ele pra dormir aqui. Tia Pat, ele não pode dormir aqui?”
A Pat, sem graça (ela é vermelha também, só que não sabe): “Mas Ceci, eu nem conheço ele...”
“Uai, tia Pat, a gente vai lá, eu pergunto o nome dele, ele fala, eu apresento ele pra você e aí você conhece ele e ele dorme aqui na sua casa.”